domingo, 1 de abril de 2012

A SEMANA SANTA COM SEU ABEL E DONA GRAÇA

               
                    Estamos na quaresma, época muito marcante na nossa vida, na nossa infância. Não tem como não  lembrar  da Usina Trapiche.    Somos  de uma família católica, filhos de mãe “beata “e por conseguinte, vivíamos todos os rituais da igreja ,nessa época santificada. Na minha cabeça de criança, nunca entrou a história de ter que jejuar e não comer carne  todas as Sextas Feiras  ,antes da  Semana Santa e exatamente no dia da   Sexta  Feira da Paixão ,  ter tanta comida,  a mais gostosa do ano.  Até hoje,  tenho dificuldade de entendimento .  No dia da Paixão de Cristo, não podíamos cantar ou fazer muito barulho.  Festa  , então nem pensar. Era realmente, um tempo de trevas, em que todos  consternados ,pareciam  velar o Senhor morto. Os santos eram cobertos de roxo e havia em todos  um sentimento de profundo pesar .    
                  Eu, que tive o privilégio de nascer num  Domingo de Páscoa, também  tive a ingrata notícia de que uma vez ou outra,meu aniversário seria no dia da Paixão. Isso era tudo que eu não queria. Significava que os adultos fariam jejum e por conta disso, não haveria festa.  Tenho que explicar que festa de aniversário, na nossa infância  era  um bolo , coberto por um glacê branco , cheio de areia prateada e com velinha, um manjar de chocolate e coco, cheio de ameixas e os famosos pastéis da Dona Graça. Tinha umas coisinhas mais, todas feitas por ela, menos a “CORUJA” que era feita  por  uma  senhora   que , não  lembro  o  nome  e  que  foi  a  única  pessoa  do  meu  conhecimento ,  que sabia fazer. Era um tipo de biscoito de polvilho, só que  feito com goma de mandioca  e se não me engano com leite de coco. Nunca vi igual em lugar algum!  Talvez algum dos meninos  lembre  do nome dela, já que éramos fregueses do “nego bom” e do licor que nos oferecia quando íamos na sua casa.( Em tempo: segundo Eduardo o nome daquela gentil senhora, era  Dona Mara).
                     Falando em “nego bom” ( bala caseira feita de banana) me veio à lembrança  de como éramos peraltas. Quando nos machucávamos, o que era comum,  íamos  direto na farmácia fazer um curativo e tomar uma injeção na barriga, contra tétano. Aconteceu de um menino da Usina contrair a doença e morrer, o que nos deixou  apavorados , com medo de que o mesmo  acontecesse  conosco.       Sei  que  depois de tomar a “antitetânica”,  não podíamos tomar álcool  por um tempo. Papai e Mamãe nem ficavam sabendo dessas coisas.  Só sei que íamos até a casa da Dona Mara, comprar  “ nego bom” e ela sempre oferecia um licorzinho. Era  um  tal  de um cutucar o outro, prá saber se podia tomar e automaticamente a conta era feita. Geralmente, tomávamos o bendito licor que nunca fez mal a ninguém. O curioso disso tudo, é que éramos crianças e mesmo assim o licor era oferecido e tomado, sem nenhuma restrição. Com toda certeza, eram outros  tempos !!!
                      Voltando ao aniversário, lembro de um  em  1954, quando estávamos morando em Recife.  Era o meu aniversário de 10 anos e o único que tivemos os parentes reunidos.      Só que caiu na Quinta Feira Santa, mas mesmo assim mamãe fez a minha festinha. Os adultos não comeram nada porque estavam jejuando e foi  um  tal de levar prá casa um pratinho para o Sábado!!!. Fiquei feliz porque não deixou de ser uma festa e por ter principalmente, as primas Isolda,   Eneida,   Bete   e  Aída   no  meu  aniversário,   além  dos  filhos  de tia Eugenia :  Constancio, Chico,  Gustavo e Ana Irene (Nenem).  Estavam todas as tias e primas, tia Mana, com  Maria das Graças ,tia Eugenia, tia Hilda, tia Nuninha,  Eva  , Lurdes e Gemi .  Foi um dia muito especial na minha vida, porque como morávamos longe, era difícil ver todo mundo assim de uma vez.     Infelizmente perdi de vista  a tia Eugenia e os filhos.  Nunca mais tive notícias deles. Só os conhecemos na verdade, porque por coincidência, fomos morar perto deles. Tia Eugenia  é ou era do segundo casamento do nosso avô Gaspar Peres  e como os filhos dele não se davam com a madrasta, havia um certo afastamento. Depois, tia Eugênia casou com um homem que a família não aprovava e como o casamento foi  desastroso , ela se separou e ninguém a procurava. Imagine, naquela época, uma mulher  separada ?  Ela, a tia Eugênia, mulher de muita fibra, tinha profissão ( Professora) e não se intimidou com a vida , criando sozinha os quatro filhos, que por um ano foram nossos amigos de infância. Depois tivemos algum contato  ,especialmente com  Chico  e nem dele tive  mais notícias. Acho que é por causa dessas coisas que, foi dito que “ a vida é arte dos desencontros”.   Seria muito bom se a gente não perdesse as pessoas de  vista !
                     Não  tem como falar das datas importantes da nossa vida, sem ter que contar história.  Se me der corda,  vou  longe   nas  lembranças e uma coisa puxa a outra. Como já falei em outras ocasiões, sou uma contadora de história assumida e quero deixar registradas as minhas recordações de criança.
                     Mas vamos falar de como era a nossa  Semana Santa.  Na época, não havia essa de ovo de Páscoa. O primeiro ovo que tive em minha vida, foi com 13 anos, quando já estava interna no colégio. Tia Mana havia ido ao Rio e quando voltou, na época da Páscoa, me levou um ovo de porcelana  amarela , cheio de doces de goma tipo umas jujubas grandes. O ovo, eu tenho até  hoje !!!   Havia sim, o costume de se dar presentes  de Páscoa , mas ovo de chocolate  que é  bom,   ninguém  via. Era bonito o costume de  dar aos pobres  algum alimento para os dias de abstinência  de carne e de jejum.A toda hora, chegava alguém lá em casa pedindo alguma coisa e mamãe sempre tinha o que dar. Esse costume desapareceu com  tempo.                                                                                                                                                                                                           Papai adorava a  Semana Santa, acho que por causa da comida, que era maravilhosa ! Ele ficava excitadíssimo  com as compras para as Quinta e Sexta  Feiras.  Não podiam faltar o peixe  o bacalhau e os complementos, como coco, jerimum, feijão e outras coisas mais. Havia também o” bredo”, uma verdura que se fazia com coco e era muito saborosa .A curtição maior, era  mesmo o bacalhau com quibebe e feijão de coco, que mamãe fazia como ninguém. Esperávamos com ansiedade o dia da Paixão para o banquete dos deuses.   Nossa mesa  era  farta  de coisas gostosas , regadas a azeite.  Mamãe fazia bacalhau de tudo quanto era jeito.  Papai  gostava mesmo ,era do bacalhau  assado na chapa do fogão a lenha,  iguaria que ele comia com azeite, vinagre e muita cebola.  O sabor da comida de Semana Santa, é como se fosse uma relíquia, que guardo com muito  cuidado. Não dá prá confundir com nada que for feito do mesmo jeito. A marca registrada da Dona Graça  é e será sempre indelével.  O vinho também fazia parte do nosso repasto e nós, crianças,  tomávamos como sangria.
                     No Sábado de Aleluia, se malhava o Judas ,  que representava  sempre uma pessoa da sociedade ,que por temperamento difícil ,perturbava todo mundo e acho que ainda existe essa prática, da qual não posso falar muito porque nunca fez parte  do meu mundo. Nunca achei graça nisso. O Judas malhado era o “mala” do pedaço. Fico pensando  que na atualidade,são muitos os Judas a serem malhados...
                      O dia de “jejum”, era  prá nós o dia de comilança. Como eram maravilhosos aqueles almoços!!!   Lembro que eu sonhava com aquele quibebe com feijão de coco e o bacalhau feito com molho, com  sabor especial.  Ainda contávamos com um delicioso suco de graviola  e de sobremesa, manjar , uma salada de frutas ou um creme de abacate, também inigualáveis. Só de pensar nessas  iguarias ,minha boca se enche d’água e o coração de muita saudade. Nossa família , em volta da mesa , saboreando as delicias que mamãe fazia com  tanto esmero, as histórias de papai que sempre tinha algo para contar, tudo isso faz com que eu agradeça  a Deus , a oportunidade de ter  tido ao vivo e a cores, uma infância digna dessa  saudade benfazeja.
             
                    Acredito que Deus não nos condenava por isso. Acho até que se sentia homenageado  com a nossa  felicidade. Eu, pessoalmente me conflitei  muito . Não conseguia  entender  como um dia que deveria ser guardado com jejum e muito sacrifício, pudesse ser um dia de tanta comida da melhor qualidade !!!  Hoje, entendo que não é o jejum ou  o autoflagelo  que  Deus quer de nós e sim a prática do bem e dos ensinamentos de amor ao próximo, a solidariedade , o senso de justiça e a observância  dos ensinamentos de Jesus.
                     Hoje,a Páscoa  como outras datas cristãs, adquiriram um cunho comercial muito grande e o marcante é o ovo de Páscoa, “ ovo de chocolate”,  que encanta as crianças e os adultos também.  Na nossa casa ainda é comum o almoço de Semana Santa. Faço tudo que mamãe fazia  mas nunca fica igual.  É frustrante ;  mas vamos colaborar com a minha boa vontade: fica parecido e todos gostam. Quem não provou o da Dona Graça, acha ótimo e eu fico  feliz .
                     Os costumes mudaram  mas a história não mudou. A quaresma e a Semana Santa, continuam  nos lembrando o sofrimento de Jesus e a sua morte, por nós. Não é a comida nem a falta dela que nos aproxima DELE e sim a consciência e o entendimento do  que nos ensinou.  È com nossos atos e nossa vida que podemos agradecer e glorificar o que fez por todos nós.
Graça,abril/2012

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