segunda-feira, 2 de abril de 2012

A PERDA


           Somos seis irmãos  ainda , e a sensação horrível de que logo , seremos apenas cinco, não dá para descrever. É simplesmente angustiante a expectativa da perda irreversível de uma pessoa querida que aos poucos  vai se despedindo da vida, sem sequer conseguir dizer o que está sentindo, mesmo consciente de tudo.
           É um  pesadelo !  Um pesadelo que eu jamais pensei  pudesse ter.
           Minha  irmã , a mais nova da ninhada, agoniza, enquanto nós , impotentes, nos limitamos a rezar e pedir a Deus que amenize  o seu sofrimento., segundo a sua vontade, porque todos os recursos médicos já se esgotaram e só nos resta esperar um milagre.
           E pensar que há tão pouco tempo, ela estava tão cheia de vida e de planos , trabalhando ativamente, brilhando na sua profissão cada vez mais produtiva !  É difícil entender como , de repente, um mal invisível  pode ter se transformado nesse monstro destruidor  que aos poucos, vem ceifando  essa vida, já vegetativa  e terminal. É muito doloroso perceber no seu olhar  a necessidade de dizer alguma coisa . é desesperador  não conseguir entender a sua mensagem muda mas quase um grito, coisa que me faz desabar , trazendo um enorme sentimento quase de culpa, por não conseguir entender seu apelo. Fazer de conta  que não percebo , é no mínimo subestimar a sua inteligência e a sua lucidez que continuam presentes apesar do calvário da dor e do sofrimento. Até quando? Não se sabe.
          Começo a sentir medo de tudo e não tenho mais vontade de viver, como se fosse possível,  abreviando a minha vida, pudesse aumentar  a chance da sua não acabar ainda; Se me fosse dado o direito de pelo menos, dividir com ela o tempo que ainda me resta,  por certo eu o faria mas Deus não aceita esse tipo de negociação.  Sei que a escolha do caminho a percorrer aqui na  terra , é feita  por cada um de nós , antes mesmo de  virmos para cá. Não podemos pedir a Deus que mude essa liberdade de escolha. Depois, ninguém nos pertence, nem mesmo os nossos filhos. Tudo  isso , eu  aprendi mas a minha capacidade de entendimento diante do emocional  frágil e com razão abalado, fica sensivelmente prejudicada. Não consigo conceber a idéia da perda iminente. Não consigo mais vê-la naquele leito, atrofiando dia após dia, sem a menor esperança  de melhora ! Vê-la  apagando, é como se um pedaço de mim estivesse se desprendendo. E acho que é isso que acontece:  estou sendo amputada !
            E pensar que falta menos de um mês para o seu aniversário!!!  No dia seis de novembro, ela fará   52 anos e nem sei se está sabendo disso. Creio que não tem mais noção de tempo, apesar de demonstrar alguma lucidez. Tudo é muito doloroso inclusive esse aspecto. Sinto que ela sabe tudo que está acontecendo e luta com tamanha dignidade, com todas as forças que ainda lhe restam, como se não acreditasse no inevitável  e é isto que me deixa mais angustiada. É isto que me faz querer doar um pouco , pelo menos um pouco, do meu tempo de vida para que ela possa completar o seu.
              Quando estamos juntas , falo das nossas lembranças, canto canções que mamãe cantava, conto histórias engraçadas e ela sorri como se gostasse de ouvir e, às vezes, tenta  acrescentar alguma coisa mas não consegue se fazer entender. Rezamos juntas e ela me pede para ler a Bíblia, o Salmo 91, especialmente. São momentos muito difíceis que me fazem sofrer muito e é nesses momentos que percebo como ela é muito mais forte  e determinada que eu. Sinto-me pequena e frágil diante de tanta fortaleza. Tenho vergonha  de sentir uma dor qualquer. Estou doente, não sei o quanto mas tenho me sentido péssima , com dores nas pernas, muito deprimida sem vontade de nada , cansada e me sinto envergonhada de dizer o que sinto porque diante do que ela está passando, não tenho nada.
              Há algum tempo atrás , mais precisamente em fevereiro, logo depois da segunda cirurgia, que a deixou incapacitada para o trabalho e sem condição de quase nada, fui visitá-la e como a encontrei muito deprimida  tentei reanimá-la , dizendo que ele precisava sair daquela apatia  e tentar ser mais otimista ,(  aí , ainda havia uma esperança) mais positiva, por achar que estava se entregando. A sua reação  foi péssima e ela começou a me agredir, dizendo que queria ver e fosse comigo, que sou metida a boazinha, etc. etc... Entendi a sua explosão e falei que se fosse comigo,  certamente ,eu  estaria na cama, toda coberta da cabeça aos pés , chorando e dando o maior trabalho prá todo mundo, porque sou uma frouxa que chora por qualquer  dorzinha,  mas ela não, sempre foi forte e o tempo todo tem demonstrado isto.        Ela  parou , ficou me olhando, chorou, se desarmou e no dia seguinte, já estava mais animada e foi difícil segurá-la.  Engraçado que deixou todo o pessoal de casa  quase louco, porque resolveu arrumar a casa, os armário, chamou as amigas prá vender os vasos que tinha pintado e me pôs prá trabalhar também, pintando  os que ela não conseguiu fazer. Naqueles dias fez muitos planos de negócios, tentando uma saída para continuar mantendo as despesas da casa, sua grande preocupação. Continuou angustiada com isto. Sei que tem noção das dificuldades financeiras e não entende como estão fazendo para manter tantas despesas. Ela fica preocupada com Liana, que em início de carreira, ainda não ganha muito.  Ela  que sempre foi o sustentáculo, não consegue se desligar. Além da  doença , a incapacidade financeira!  É sofrimento demais!
              Luiza sempre foi muito auto-suficiente, mesmo quando ainda era apenas uma menina. Sempre batemos muito de frente e tínhamos nossas brigas e acho que ela nunca se convenceu de como a amo e admiro.Na sua doença, temos   resgatado muito  esse amor e eu tenho podido demonstrar a ela os meus verdadeiros sentimentos . Sei que ela sabe disso.
                Desde criança, ela sempre foi  muito determinada e ávida de saber. Estudava  muito e devorava livros, se tornando muito culta. A profissão escolhida , de Psicóloga, foi batalhada , inicialmente em anos e anos de faculdade, por conta das mudanças de cidades, decorrentes da carreira militar do ex-marido. Mas ela nunca desanimou e um dia conseguiu seu CANUDO, e com a mesma tenacidade , conseguiu se projetar  e ser uma excelente profissional. Estava no auge de sua carreira e começava a colher os frutos dos tantos anos de sacrifício, quando surgiu a doença, a invalidez, o sofrimento em ter que desmontar o seu tão amado consultório. Para quem acompanhou a sua trajetória , além de sofrer  junto , dificilmente entende  como pode tudo desmoronar de uma hora para outra!   É como se tivesse havido um  furacão ou um terremoto que chega inesperadamente devastando tudo. Não entra na nossa cabeça de humano, pouco  espiritualizado !
              Além da perda iminente, a dor da saudade já invade o meu coração, meu espírito e todo meu ser.  A  “GRANDE VIAGEM SEM VOLTA “ já começou e só me resta acenar com um lenço branco para que seja com  MUITA  PAZ !!!

Graça Peres , outubro /2000              

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